A anotação, na carteira de trabalho, de que o registro do
contrato decorreu de decisão judicial gera ou não direito à indenização
por danos morais? Essa questão produziu longo debate entre os ministros
da Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-11) Tribunal
Superior do Trabalho no julgamento do recurso de uma funcionária da
Xerox Comércio e Indústria Ltda. que tentava reformar decisão que
indeferiu a indenização. Após longa discussão, a Subseção reformou a
decisão para deferir-lhe a indenização pleiteada.
Com a decisão, vai-se consolidando no TST o entendimento de que a
anotação feita desta forma é discriminatória e prejudica o trabalhador,
que pode ter dificuldades de obter novo emprego diante da informação de
que ajuizou ação trabalhista. Na discussão, vários ministros confirmaram
que o entendimento anterior em diversas Turmas era contrário ao dano
moral, e que a mudança sinaliza o amadurecimento da jurisprudência do
Tribunal.
O caso
O vínculo de emprego com a Xerox foi reconhecido em reclamação
trabalhista, e a empresa foi condenada a registrar o contrato de
trabalho. Ao fazê-lo, porém, acrescentou uma observação de que o
registro se dera “conforme determinação judicial”. A empregada ajuizou
então nova ação, agora visando à indenização por dano moral.
Sem êxito no primeiro grau, recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho
da 17ª Região (ES), que condenou a Xerox a pagar-lhe R$ 5 mil de
indenização. O fundamento foi o artigo 29, parágrafo 4º da CLT, que
proíbe o empregador de promover anotações desabonadoras na carteira de
trabalho. O Regional considerou configurado o dano decorrente da conduta
da empresa, pois a anotação criaria obstáculos à sua pretensão de novo
emprego, diante da tendência de muitos empregadores de rejeitar
candidatos que buscam o reconhecimento dos seus direitos na Justiça do
Trabalho.
A decisão, no entanto, foi novamente reformada pela Quarta Turma do
TST, que acolheu recurso da Xerox e absolveu-a da condenação. A
empregada interpôs então o recurso de embargos à SDI-1.
Ao manifestar seu voto na subseção, o relator, ministro Brito
Pereira, afirmou que a anotação feita pela empresa representou apenas o
cumprimento de obrigação determinada judicialmente e retratou a
realidade de ter sido reconhecido pela via judicial. O caso, segundo
ele, não se enquadraria na definição de “desabonadora” prevista na CLT.
Divergência
O primeiro a abrir divergência foi o ministro Horácio de Senna Pires,
que considerou a anotação discriminatória. “É como se o empregador
estivesse, a partir dela, inscrevendo o nome do empregado no rol das
listas sujas que correm, a inviabilizar um novo emprego”, assinalou. Seu
voto foi acompanhado pelo ministro Renato de Lacerda Paiva, que lembrou
que a matéria já havia sido discutida pela SDI-1, prevalecendo a tese
da ilicitude do ato. Para o ministro Lelio Bentes, o ato do empregador
não fora “ingênuo” e teria a finalidade de constranger o empregado e
apená-lo “pela ousadia de ter buscado em Juízo a tutela a seu direito
legalmente consagrado”. Acompanhando essa tese, o ministro Aloysio
Corrêa da Veiga afirmou que o fato de o empregador dizer que está
assinando a carteira obrigado por uma decisão judicial é “naturalmente
retaliativo” e causa dano à imagem do empregado.
Amadurecimento
A ministra Dora Maria da Costa, ao seguir a divergência, observou que
a Oitava Turma, da qual faz parte, até pouco tempo entendia não existir
dano moral, mas mudou de posição após várias decisões da SDI-1 em
sentido contrário. “Realmente entendíamos que se tratava de um ato
ingênuo, mas amadurecemos, e a SDI-1 já tem precedente nesse sentido”,
confirmou o ministro Augusto César de Carvalho. Além de violação ao
direito de imagem, ele também avaliou existir violação ao direito
constitucional ao trabalho porque a atitude da empresa “manda recado”
aos futuros virtuais empregadores de que esse trabalhador ajuizou
reclamação trabalhista contra o empregador anterior.
No mesmo sentido, o ministro José Roberto Freire Pimenta afirmou que,
ao vir para o TST, trouxe da instância regional a posição de que o ato
do empregador não era natural ou gratuito, e tinha uma finalidade
específica. “Em se tratando de efeitos no campo do direito material,
embora estejamos, no TST, estritamente vinculados à técnica processual,
não devemos ignorar os efeitos práticos, concretos, das nossas decisões
no campo das relações do trabalho”, afirmou. A ministra Delaíde Arantes
citou precedentes do TST para seguir a divergência.
Último a votar, o presidente do TST, ministro João Oreste Dalazen,
reconheceu que, em relação ao dano moral, “às vezes há alguns excessos”,
mas, pouco a pouco, a jurisprudência vai se sedimentando para
corrigi-los. Para ele, a lesão à imagem do empregado é inquestionável,
pois, para boa parte da sociedade, o empregado que aciona a Justiça do
Trabalho fica estigmatizado. “Perante o meio empresarial, notadamente, é
claro que isso macula um dos direitos ínsitos de personalidade que é o
da imagem”, afirmou.
Proliferação do dano moral
Acompanhando o relator, o ministro Milton de Moura França manifestou
sua preocupação com a proliferação do instituto do dano moral e
questionou suposta ilegalidade da anotação patronal. Ele observou que,
nos casos em que não há acordo, a sentença pode ordenar que a própria
secretaria da Vara do Trabalho efetue as devidas anotações, não havendo,
a seu ver, qualquer diferença entre a anotação por via administrativa
ou judicial.
O ministro Ives Gandra Martins também entendeu que a anotação não
causa lesão a nenhum dos bens tutelados pelo artigo 5º, inciso X, da
Constituição Federal (imagem, honra, vida privada, intimidade). Segundo
ele, o registro é verídico, e, se a empresa não reconhece que o
trabalhador foi seu empregado, ela tem o direito de registrar que apenas
o reconhece por determinação judicial. “A informação, absolutamente,
não é desabonadora”.
Ante a vitória da divergência, a SDI-1 deu provimento ao recurso da
funcionária e restabeleceu a decisão regional que condenou a Xerox a
pagar-lhe indenização por danos morais no valor de R$ 5 mil. Ficaram
vencidos os ministros Brito Pereira (relator), Milton de Moura França e
Ives Gandra Martins.
(Lourdes Côrtes/CG/CF)
Processo: RR-74500-48.2008.5.17.0005
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