Nos crimes de estupro praticados com emprego de violência real, a
ação penal é pública incondicionada, não sendo possível alegar
decadência do direito de representação, nem ilegitimidade do Ministério
Público para a propositura da ação. Com base nesse entendimento, a Sexta
Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou habeas corpus que
pretendia trancar ação penal por estupro contra um acusado que já
responde por dois homicídios – todos os crimes praticados no mesmo dia.
Os fatos ocorreram em 24 de abril de 2006. Segundo apurado, após
discutir com a companheira no local onde moravam, o acusado a esfaqueou,
produzindo os ferimentos que viriam a causar sua morte. Em seguida,
invadiu o cômodo dos vizinhos com a companheira ensanguentada e
desfalecida nos ombros. Largou-a junto à porta e passou a agredir o
vizinho, que morreu por causa das facadas. A vizinha tentou fugir do
agressor, mas foi ameaçada com a faca e constrangida à prática de sexo.
A denúncia foi recebida em março de 2007 e o réu foi pronunciado na
ação penal em curso na Vara do Tribunal do Júri de São Bernardo do Campo
(SP), acusado da prática de crimes de homicídio (duas vezes) e estupro.
A defesa recorreu, sustentando, entre outras coisas, a ilegitimidade
ativa do Ministério Público para processar o acusado pelo crime de
estupro, ante a decadência do direito de representação da vítima. O
recurso foi rejeitado.
No habeas corpus dirigido ao STJ, a defesa apresentou a mesma
alegação, de que a manifestação da vítima – quanto à intenção de
processar o acusado por estupro – e a respectiva declaração de
hipossuficiência seriam intempestivas, pois foram juntadas aos autos
apenas em 19 de fevereiro de 2009, quase três anos após o crime.
Ainda segundo a defesa, o processo transcorreu sem que o Ministério
Público fosse legitimado para a ação, pois o termo de representação e a
declaração de pobreza da vítima só foram colhidos por ocasião do
encerramento da instrução criminal, quando o próprio órgão acusatório
percebeu a omissão processual.
Requereu, então, o trancamento parcial da ação penal, no que se
referia ao crime de estupro, em razão da decadência do direito de
representação da vítima. No seu parecer, o Ministério Público Federal
opinou pela rejeição do pedido.
Jurisprudência
Em decisão unânime, a Sexta Turma negou o pedido para trancar a ação
penal. O relator do caso, ministro Sebastião Reis Júnior, lembrou que o
crime ocorreu em 2006 e a denúncia foi recebida em 2007, antes,
portanto, da promulgação da Lei 12.015/09, que alterou o Código Penal da
parte relativa aos crimes sexuais. “As condições da ação devem ser
analisadas à luz da legislação anterior”, disse ele, acrescentando que,
em tal contexto, não se pode falar em decadência do direito de
representação da vítima.
Na legislação anterior, o processo penal por estupro competia à
própria vítima, mas o Ministério Público podia assumir a ação se ela não
tivesse meios de arcar com as despesas – caso em que se exigia
representação da vítima pedindo essa providência. A Lei 12.015
estabeleceu que a ação penal é pública, a cargo do MP, mas ainda
condicionada à representação da vítima.
No entanto, segundo o ministro Sebastião Reis Júnior, a
jurisprudência do STJ e do Supremo Tribunal Federal (STF) adotou o
entendimento de que, nas situações de estupro cometido com emprego de
violência real, a ação penal é pública incondicionada – ou seja, o
Ministério Público deve agir independentemente de representação da
vítima.
“Se há indícios de emprego de violência e grave ameaça contra a
ofendida, inclusive com o uso de faca, é desnecessário discutir se o
termo de representação e a declaração de hipossuficiência são
extemporâneos”, assinalou o relator. Ele observou ainda que não há forma
rígida para a representação – quando necessária –, bastando a
manifestação inequívoca da vítima no sentido de que o autor do crime
seja processado.
Para o ministro, a providência de colher a aquiescência da vítima –
tomada ao término da instrução criminal – deu-se por mera cautela do
Ministério Público. “Mesmo que se entendesse imprescindível a
representação, a intenção da ofendida para a apuração da
responsabilidade já foi demonstrada, pois as suas atitudes após o evento
delituoso, como o comparecimento à delegacia e a realização de exame
pericial, servem para validar o firme interesse na propositura da ação
penal”, disse ele.
O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.
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