Em julgamento apertado, desempatado pelo voto de minerva da
ministra Maria Thereza de Assis Moura, presidenta da Terceira Seção, o
Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que apenas o teste do
bafômetro ou o exame de sangue podem atestar o grau de embriaguez do
motorista para desencadear uma ação penal. A tese serve como orientação
para as demais instâncias do Judiciário, onde processos que tratam do
mesmo tema estavam suspensos desde novembro de 2010.
De acordo com a maioria dos ministros, a Lei Seca trouxe critério
objetivo para a caracterização do crime de embriaguez, tipificado pelo
artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). É necessária a
comprovação de que o motorista esteja dirigindo sob influência de pelo
menos seis decigramas de álcool por litro de sangue. Esse valor pode ser
atestado somente pelo exame de sangue ou pelo teste do bafômetro,
segundo definição do Decreto 6.488/08, que disciplinou a margem de
tolerância de álcool no sangue e a equivalência entre os dois testes.
“Se o tipo penal é fechado e exige determinada quantidade de álcool
no sangue, a menos que mude a lei, o juiz não pode firmar sua convicção
infringindo o que diz a lei”, afirmou a ministra Maria Thereza ao
definir a tese.
O julgamento teve início em 8 de fevereiro e foi interrompido por
três pedidos de vista. Dos nove integrantes da Terceira Seção, cinco
ministros votaram seguindo o ponto de vista divergente (contrário ao do
relator) e vencedor. O desembargador convocado Adilson Macabu foi o
primeiro a se manifestar nesse sentido e, por isso, lavrará o acórdão.
Também acompanharam o entendimento, além da presidenta da Seção, os
ministros Laurita Vaz, Og Fernandes e Sebastião Reis Júnior.
Estrita legalidade
Ao expor sua posição na sessão do dia 29 de fevereiro, o
desembargador Macabu ressaltou a constitucionalidade da recusa do
condutor a se submeter ao teste de alcoolemia (tanto o bafômetro quanto o
exame de sangue), diante do princípio da não autoincriminação, segundo o
qual ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo.
Dada a objetividade do tipo penal (artigo 306 do CTB), o magistrado
considerou inadmissível a possibilidade de utilização de outros meios de
prova ante a recusa do motorista em colaborar com a realização de exame
de sangue ou bafômetro.
Ele destacou que o limite de seis decigramas por litro de sangue é um
elemento objetivo do tipo penal que não pode ser relativizado. “A lei
não contém palavras inúteis e, em nome de adequá-la a outros fins, não
se pode ferir os direitos do cidadão, transformando-o em réu por conduta
não prevista em lei. Juiz julga, e não legisla. Não se pode inovar no
alcance de aplicação de uma norma penal. Essa não é a função do
Judiciário”, afirmou.
Qualidade das leis
O desembargador acredita que, na prática, há uma queda significativa
na qualidade das leis. Mas isso não dá ao juiz o poder de legislar. “O
trânsito sempre matou, mata e matará, mas cabe ao Legislativo
estabelecer as regras para punir, e não ao Judiciário ampliar as normas
jurídicas”, advertiu o desembargador. “Não se pode fragilizar o escudo
protetor do indivíduo em face do poder punitivo do estado. Se a norma é
deficiente, a culpa não é do Judiciário”, defendeu.
O ministro Og Fernandes também lamentou que a alteração trazida pela
Lei Seca tenha passado a exigir quantidade mínima de álcool no sangue,
atestável apenas por dois tipos de exames, tornando a regra mais
benéfica ao motorista infrator. “É extremamente tormentoso para o juiz
deparar-se com essa falha”, declarou. Mas ele conclui: “Matéria penal se
rege pela tipicidade, e o juiz deve se sujeitar à lei.” A ministra
Maria Thereza de Assis Moura, da mesma forma, lembrou que alterações na
lei só podem ser feitas pelo legislador.
Caso concreto
No recurso interposto no STJ, o Ministério Público do Distrito
Federal (MPDF) se opõe a uma decisão do Tribunal de Justiça local
(TJDF), que acabou beneficiando um motorista que não se submeteu ao
teste do bafômetro, porque à época o exame não foi oferecido por
policiais. O motorista se envolveu em acidente de trânsito em março de
2008, quando a Lei Seca ainda não estava em vigor, e à época foi
encaminhado ao Instituto Médico Legal, onde um teste clínico atestou o
estado de embriaguez.
Denunciado pelo MP com base no artigo 306 do CTB, o motorista
conseguiu o trancamento da ação penal, por meio de um habeas corpus, sob
a alegação de que não ficou comprovada a concentração de álcool exigida
pela nova redação da norma trazida pela Lei Seca. O tribunal local
entendeu que a lei nova seria mais benéfica para o réu, por impor
critério mais rígido para a verificação da embriaguez, devendo por isso
ser aplicada a fatos anteriores à sua vigência.
A decisão da Terceira Seção negou provimento ao recurso do MPDF.
Processos: REsp 1111566
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