Para a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a
presunção de violência no crime de estupro tem caráter relativo e pode
ser afastada diante da realidade concreta. A decisão diz respeito ao
artigo 224 do Código Penal (CP), revogado em 2009.
Segundo a relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, não se
pode considerar crime o ato que não viola o bem jurídico tutelado – no
caso, a liberdade sexual. Isso porque as menores a que se referia o
processo julgado se prostituíam havia tempos quando do suposto crime.
Dizia o dispositivo vigente à época dos fatos que “presume-se a
violência se a vítima não é maior de catorze anos”. No caso analisado, o
réu era acusado de ter praticado estupro contra três menores, todas de
12 anos. Mas tanto o magistrado quanto o tribunal local o inocentaram,
porque as garotas “já se dedicavam à prática de atividades sexuais desde
longa data”.
Segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), a própria mãe de
uma das supostas vítimas afirmara em juízo que a filha “enforcava” aulas
e ficava na praça com as demais para fazer programas com homens em
troca de dinheiro.
“A prova trazida aos autos demonstra, fartamente, que as vítimas, à
época dos fatos, lamentavelmente, já estavam longe de serem inocentes,
ingênuas, inconscientes e desinformadas a respeito do sexo. Embora
imoral e reprovável a conduta praticada pelo réu, não restaram
configurados os tipos penais pelos quais foi denunciado”, afirmou o
acórdão do TJSP, que manteve a sentença absolutória.
Divergência
A Quinta Turma do STJ, porém, reverteu o entendimento local,
decidindo pelo caráter absoluto da presunção de violência no estupro
praticado contra menor de 14 anos. A decisão levou a defesa a apresentar
embargos de divergência à Terceira Seção, que alterou a jurisprudência
anterior do Tribunal para reconhecer a relatividade da presunção de
violência na hipótese dos autos.
Segundo a ministra Maria Thereza, a Quinta Turma entendia que a
presunção era absoluta, ao passo que a Sexta considerava ser relativa.
Diante da alteração significativa de composição da Seção, era necessário
rever a jurisprudência.
Por maioria, vencidos os ministros Gilson Dipp, Laurita Vaz e
Sebastião Reis Júnior, a Seção entendeu por fixar a relatividade da
presunção de violência prevista na redação anterior do CP.
Relatividade
Para a relatora, apesar de buscar a proteção do ente mais
desfavorecido, o magistrado não pode ignorar situações nas quais o caso
concreto não se insere no tipo penal. “Não me parece juridicamente
defensável continuar preconizando a ideia da presunção absoluta em fatos
como os tais se a própria natureza das coisas afasta o injusto da
conduta do acusado”, afirmou.
“O direito não é estático, devendo, portanto, se amoldar às mudanças
sociais, ponderando-as, inclusive e principalmente, no caso em debate,
pois a educação sexual dos jovens certamente não é igual, haja vista as
diferenças sociais e culturais encontradas em um país de dimensões
continentais”, completou.
“Com efeito, não se pode considerar crime fato que não tenha violado,
verdadeiramente, o bem jurídico tutelado – a liberdade sexual –, haja
vista constar dos autos que as menores já se prostituíam havia algum
tempo”, concluiu a relatora.
O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.
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