Na hipótese de liquidação ordinária prevista pela Lei das
Sociedades Anônimas, os credores de dívidas vencidas e exigíveis podem
ajuizar ação de execução de seus créditos, pois não são obrigados a
aguardar o procedimento de liquidação para receber o que lhes é devido. A
conclusão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em
recurso no qual NN Viagens e Turismo S/A (nova denominação da Varig
Travel S/A) solicitava a extinção de execução porque estava em processo
de liquidação extrajudicial.
A sociedade interpôs recurso no STJ para impugnar decisão da Justiça
de São Paulo, que entendeu que a execução não poderia ser extinta porque
a liquidação não havia sido decretada por ordem judicial.
Para a empresa em liquidação, a cobrança do crédito deveria obedecer à
ordem legal estabelecida pelo liquidante, sendo incabível a cobrança
individual do crédito. A defesa da empresa apontou ofensa aos artigos
210 e 214 da Lei 6.404/76 (Lei das S/A) e 18 da Lei 6.024/74 (que trata
da liquidação administrativa de instituições financeiras).
Ao analisar o recurso, a relatora, ministra Nancy Andrighi, observou
que o caso é de liquidação ordinária da companhia (também chamada
liquidação de pleno direito), uma das três formas de liquidação
previstas na Lei das S/A. A liquidação ordinária pode ocorrer pelo
término do prazo de duração da sociedade, nos casos previstos no
estatuto, por deliberação da assembleia geral, pela existência de apenas
um acionista (se o mínimo de dois não for constituído em um ano) ou
pela extinção de sua autorização para funcionar.
Além dessa forma, existem a liquidação judicial (inclusive por
falência) e a administrativa (por exemplo, quando a autoridade
competente decreta a liquidação extrajudicial de uma instituição
financeira). No caso analisado pelo STJ, a liquidação ordinária ocorreu
por deliberação da assembleia geral, mediante a nomeação de um
liquidante, na forma prevista pelo artigo 208 da Lei das S/A.
Por isso, a ministra discordou do fundamento adotado pela Justiça
paulista, já que, na liquidação ordinária extrajudicial, estabelecida
por deliberação da assembleia geral, “não há um requerimento a ser
deferido pelo juiz, que só teria cabimento nas hipóteses de liquidação
judicial da companhia”. Segundo ela, a partir da deliberação em
assembleia geral, a liquidação já está instaurada, e o caso então
precisa ser analisado por outra ótica.
Suspensão da execução
A ministra Nancy Andrighi assinalou que, nas hipóteses de liquidação
judicial por falência e de liquidação administrativa, há previsão de
suspensão das execuções propostas contra a sociedade, cujos credores se
sujeitam ao concurso universal. Para a hipótese de liquidação ordinária,
contudo, segundo a relatora, a lei é omissa.
A defesa da empresa argumentou que não haveria motivos para que o
mesmo procedimento não fosse estendido à liquidação ordinária, pois a
Lei das S/A, ao determinar que os débitos da companhia obedeçam à ordem
legal de pagamento, estaria implicitamente ordenando a suspensão das
execuções.
Para a ministra Andrighi, os artigos 206 e seguintes da Lei das S/A
estabelecem procedimento de concurso universal, à medida que a lei
determina no artigo 214 que sejam obedecidas as preferências legais para
o pagamento dos credores da sociedade em liquidação. Essa circunstância
não retira, segundo a ministra, o caráter privado da liquidação
ordinária deliberada em assembleia geral, uma vez que ela é feita por
decisão dos sócios, para atendimento dos seus interesses na dissolução
da companhia.
Ela explicou que, uma vez tomada a decisão pela assembleia de sócios,
os credores titulares de dívida vencida podem, de modo espontâneo,
submeter-se ao procedimento da liquidação extrajudicial. “Na hipótese de
impossibilidade de se promover a liquidação por força da oposição dos
credores, o liquidante vê-se obrigado a requerer a falência da
companhia. Caso não o faça, faculta-se tal requerimento aos credores”,
acrescentou.
No entanto, salientou a ministra, no caso da liquidação ordinária,
não é possível determinar por ato privado dos sócios a restrição de
direitos individuais de terceiros. “Se um credor detém um título vencido
e há pretensão executiva, é dele a faculdade de buscar a realização de
seu crédito”, disse.
Entre as razões para entender que a submissão ao concurso universal
na liquidação ordinária teria que se dar por consenso entre os credores,
a ministra citou que a suspensão da pretensão executiva, quando ocorre,
implica também a suspensão da prescrição, o que só pode ser feito
judicialmente.
Além disso, nas situações em que a lei prevê concurso universal com
suspensão de execuções e dos prazos de prescrição, ela também determina,
em contrapartida, a fiscalização pelo Ministério Público, algo que não
ocorre na liquidação ordinária.
A ministra destacou ainda que a liquidação de sociedade é um
procedimento feito em favor dos sócios, no qual o pagamento dos credores
é condição para a distribuição do saldo remanescente. “Portanto,
somente a satisfação dos credores nos respectivos vencimentos preenche a
condição indispensável ao prosseguimento da liquidação”, concluiu.
Processos: REsp 1082580
Processos: REsp 1082580
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