O sigilo profissional da relação entre advogado e cliente não
invalida a integralidade das interceptações telefônicas autorizadas
judicialmente contra o cliente se, eventualmente, são gravados alguns
diálogos entre eles. A decisão, unânime, é da Quinta Turma do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), que julgou um recurso em habeas corpus contra
decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2). O recurso
objetivava retirar do processo todas as escutas determinadas pelo juiz e
executadas pela polícia.
Dois acusados de tráfico de drogas tinham suas ligações telefônicas
monitoradas por ordem judicial. Um deles teve conversa com um terceiro
gravada; posteriormente, este foi identificado como seu advogado. O réu
recorreu à Justiça, afirmando que a denúncia seria nula pela violação do
sigilo da comunicação entre advogado e cliente. Entretanto, o TRF2
entendeu que o fato de a polícia ter gravado a conversa com o advogado
não invalidava as interceptações.
O TRF2 afirmou que em nenhum momento o alvo da quebra de sigilo
telefônico foi o advogado – menos ainda um advogado no exercício
legítimo de sua profissão –, sendo a captação fortuita e incidental.
Também não foi intenção dos investigadores chegar ao advogado a partir
de seu cliente. Não se aplica, portanto, a proteção do artigo 7º, inciso
II, da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia). Concluiu destacando que
não cabe aos agentes policiais “selecionar” ou “escolher” os trechos da
interceptação que devem ser gravados.
O TRF2, porém, determinou que os diálogos entre o advogado e o seu
cliente e entre este e o outro investigado que citassem o profissional
de direito fossem retirados dos autos. Também determinou que todas as
referências a esses diálogos fossem riscadas das peças processuais e que
esses trechos das gravações fossem apagados, preservando o sigilo.
Insistindo na tese da nulidade da denúncia, por ter se baseado em
interceptações telefônicas supostamente ilícitas, a defesa recorreu ao
STJ, afirmando que houve violação do sigilo cliente/advogado. Pediu que
toda a prova apontada como ilícita, ou seja, a totalidade das
interceptações telefônicas, fosse desentranhada (removida) dos autos e,
consequentemente, que a denúncia e o decreto de prisão preventiva do
cliente fossem considerados nulos.
Decisão adequada
O relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, entendeu que a
interceptação dos diálogos envolvendo o advogado não é causa de
nulidade do processo. Ele disse que o TRF2 agiu de forma adequada ao
determinar a exclusão dos trechos de gravações e documentos que citam o
advogado e também concordou com o tribunal regional quanto à questão dos
limites da atividade policial.
“Não compete à autoridade policial filtrar os diálogos a serem
gravados, mas sim executar ordem judicial”, afirmou, acrescentando que a
colheita de provas não deve ficar ao arbítrio da polícia.
Segundo o relator, não há razão para o desentranhamento de todas as
conversas captadas e degravadas, como sustenta a defesa, “pois as provas
não passaram a ser ilícitas, já que autorizadas por autoridade judicial
competente e em observância às exigências legais”. Ao menos, destacou o
ministro, não houve contestação da defesa quanto à legalidade da quebra
do sigilo telefônico.
Além disso, Marco Aurélio Bellizze observou que os trechos
suprimidos, relativos aos diálogos envolvendo o advogado, são ínfimos em
relação a todo o conteúdo da denúncia – que tem 120 folhas e está
amparada em inúmeros outros diálogos, captados em nove meses de
interceptações telefônicas e telemáticas, bem como em outros elementos
de prova.
O ministro informou que, após a interposição do recurso em habeas
corpus no STJ, sobreveio sentença que condenou o réu a 26 anos e 20 dias
de reclusão, em regime inicial fechado. A decisão negou ao condenado a
possibilidade de recorrer em liberdade, com base em fundamentos que não
fazem referência aos trechos gravados irregularmente.
Processos: RHC 26704
Nenhum comentário:
Postar um comentário