A difícil condição financeira de sociedade em concordata
justifica a mudança de foro eleito em contrato, desde que não haja
prejuízo para a outra parte. A decisão foi proferida pela maioria dos
ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que
negou provimento a recurso da Caixa Econômica Federal (CEF).
A instituição financeira pretendia reverter julgado do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região (TRF4), que manteve a Justiça Federal de
Curitiba como competente para julgar ação por danos morais e materiais
movida contra a CEF por empresa de engenharia.
A empresa firmou contrato com a CEF em 2003, para a construção de
blocos de apartamentos pelo Programa de Arrendamento Residencial (PAR),
no valor de R$ 3,2 milhões. Entretanto, a empresa alegou que a obra não
poderia ser concluída pelo preço pactuado devido a necessidades não
previstas, como reforço estrutural na área da construção.
Apesar dos avisos de insustentabilidade do projeto, a CEF não reviu o
valor do contrato nem ressarciu a empresa das despesas extraordinárias,
o que a levou a pedir concordata preventiva em Curitiba.
Posteriormente, ajuizou ação de reparação por danos materiais e
compensação por danos morais contra a CEF, alegando que sua derrocada
financeira teria sido causada pela instituição.
A CEF suscitou incompetência do órgão julgador curitibano e alegou
que, como os imóveis seriam construídos em Belém do Pará, lá deveriam
ser processadas eventuais ações. Isso estaria previsto no contrato e
também seria determinado pelo artigo 95 do Código de Processo Civil
(CPC), que prevê que a competência para julgar ações tratando de direito
real sobre imóveis é do foro no qual eles se situam. O TRF4 acolheu
recurso da empresa de engenharia e manteve a competência da Vara Federal
de Curitiba.
Vícios no contrato
O TRF4 considerou que a cláusula do contrato que estabeleceu o foro
em Belém teria vícios. Também apontou que a mudança de foro para
Curitiba não traria prejuízo para a CEF, já que ela tem representação
legal nas duas cidades. A instituição financeira interpôs recurso ao
STJ, insistindo na tese de desrespeito ao artigo 95 do CPC.
A CEF alegou também violação do artigo 111 do CPC, que define que a
competência é inderrogável por convenção das partes, e do artigo 3º do
Código de Defesa do Consumidor (CDC), que define obrigações de
fornecedores de bens e serviços. Afirmou que a alegada hipossuficiência
deveria ser aferida no momento da contratação e não justificaria a
invalidação de cláusula de eleição.
Em suas considerações, a relatora do processo, ministra Nancy
Andrighi, apontou que o CDC não é aplicável à hipótese. O STJ aceita
excepcionalmente que o Código seja aplicado em favor de pessoas
jurídicas quando há típica relação de consumo, circunstância, contudo,
que não ocorre na hipótese. A CEF não atuou como banco visando lucro,
mas como agente público gerindo o PAR e estimulando a construção de
moradias populares.
Quanto ao artigo 95 do CPC, a ministra entendeu que a ação não trata
de direito real sobre imóveis. “Não se discute nenhuma questão
relacionada à matéria disciplinada pelo direito real, tal como ocorre
nas ações possessórias”, esclareceu. “O que se discute na presente
demanda são os supostos prejuízos sofridos pela empresa recorrida em
razão da quebra contratual”, afirmou a ministra no voto.
Hipossuficiência
A respeito da hipossuficiência, a ministra salientou que a eleição de
foro em contrato é válida, salvo se a parte não tinha conhecimento
suficiente das consequências, se inviabilizar ou dificultar o acesso ao
Judiciário ou se for contrato de obrigatória adesão para fornecimento de
produto ou serviço exclusivo por determinada empresa. O TRF4 reconheceu
que o contrato era de adesão e que a empresa de engenharia seria
hipossuficiente.
A ministra Nancy Andrighi afirmou que tão somente o porte da CEF não
torna a parte adversa vulnerável e hipossuficiente. A condição de
concordatária, todavia, demonstra a dificuldade de acesso ao Judiciário
da empresa recorrida, economicamente fragilizada. Destacou, ademais, que
não haveria prejuízo à CEF, conforme observado pelo TRF4, considerando
sua abrangência nacional.
Acompanharam o voto da relatora, negando provimento ao recurso da
CEF, os ministros Massami Uyeda e Paulo de Tarso Sanseverino. Ficaram
vencidos os ministros Sidnei Beneti e Villas Bôas Cueva.
Processos: REsp 1073962
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