A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu
que a cédula de crédito bancário é, em abstrato, título executivo
extrajudicial representativo de operações de crédito de qualquer
natureza. O entendimento pode colocar um freio na interpretação
restritiva que as instâncias ordinárias têm dado às inovações da Lei
10.931/04, que criou o instrumento, e influir diretamente na cobrança de
milhares de devedores do cheque especial e do crédito rotativo dos
cartões.
O relator do recurso no STJ, ministro Luis Felipe Salomão, explicou
que não cabe questionar se, em abstrato, a cédula é título executivo,
mesmo que decorra diretamente de contrato de abertura de crédito, seja
rotativo ou cheque especial. O que deve ser investigado, em concreto, é
se a cédula reúne os requisitos legais para sua emissão e execução da
dívida – basicamente, a adequada demonstração contábil do valor
utilizado pelo cliente.
O ministro restringiu a hipótese de contestação da exequibilidade da
cédula de crédito bancário “a eventuais questionamentos acerca do
preenchimento das exigências legais alusivas à demonstração clara e
precisa dos valores utilizados pelo devedor, bem como aos métodos de
cálculo realizados pelo credor”, critérios estes definidos na Lei
10.931.
Reação legislativa
A controvérsia tem origem na jurisprudência sumulada do próprio STJ,
segundo a qual o contrato de abertura de crédito não é título executivo,
ainda que acompanhado de extrato da conta-corrente (Súmula 233), mas é
documento que, acompanhado de demonstrativo de débito, autoriza o
ajuizamento de ação monitória (Súmula 247).
Conforme a jurisprudência, explicou o ministro Salomão, o contrato de
abertura de crédito em conta corrente, em si, não revelava obrigação
líquida e certa assumida pelo cliente, e não poderia o credor, à revelia
do assentimento do devedor, criar título executivo “terminado”
unilateralmente, com a impressão de extratos bancários ou elaboração de
planilhas.
Salomão revelou que os defensores de teses contrárias à
jurisprudência contestavam o desamparo criado pelas súmulas ao sistema
financeiro, que teria ficado sem instrumentos jurídicos que conferissem
celeridade e segurança às volumosas transações que envolvem abertura de
crédito, cheque especial ou crédito rotativo.
Com o intuito de validar as práticas bancárias que antes não
encontravam eco nos tribunais, o legislador agiu pela via própria e
editou a Lei 10.931, conferindo certeza, liquidez e exigibilidade à
cédula de crédito bancário, “seja pela soma nela indicada, seja pelo
saldo devedor demonstrado em planilha de cálculo, ou nos extratos da
conta corrente”.
Caso concreto
O recurso analisado pela Segunda Seção trata, na origem, de uma
execução ajuizada pelo Banco Bradesco em Três Lagoas (MS). Os dois
devedores (pessoa física e jurídica) embargaram a execução, alegando
ausência de título executivo, porque a cédula de crédito bancário estava
amparada em contrato de abertura de crédito rotativo em conta corrente.
Em primeiro grau, a execução foi julgada extinta, por entender o juiz
que a cédula de crédito bancário não seria, em abstrato, título
executivo, e que, em concreto, os documentos apresentados pelo banco não
satisfariam as exigências da Lei 10.931.
O banco apelou, apresentando novos documentos, mas o Tribunal de
Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS) manteve a resistência ao novo
título de crédito. Para o tribunal estadual, a cédula mascara verdadeiro
contrato de abertura de crédito em conta corrente, não possuindo a
liquidez necessária para instruir processo de execução de título
extrajudicial.
Com a decisão da Segunda Seção, os autos devem retornar ao TJMS para
análise do preenchimento, pela cédula, das exigências da lei própria. O
ministro Salomão ainda lembrou reiterada jurisprudência do STJ que
admite a juntada de documentos em grau de apelação, se preenchidos os
requisitos legais.
Processos: REsp 1283621
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