Já diz o ditado: da morte e dos impostos ninguém escapa. No
início do ano, os responsáveis por praticamente todos os lares e
estabelecimentos comerciais do país recebem o boleto de pagamento do
Imposto Predial e Territorial Urbano, o IPTU. Muitos se assustam com a
cobrança e contestam os valores na Justiça.
Os questionamentos são diversos: erro de cálculo, aumento irregular,
complementação de cobrança, quem é o verdadeiro responsável pelo
pagamento, prescrição… O Superior Tribunal Justiça (STJ), guardião da
interpretação da legislação federal e uniformizador da jurisprudência,
já se pronunciou sobre todas essas questões – algumas delas sob o rito
dos recursos repetitivos, que estabelece uma orientação para todos os
magistrados do país, embora as decisões não sejam vinculantes.
Base de cálculo e majoração
A cobrança do IPTU é de competência dos municípios. Tem como fato
gerador a propriedade predial e territorial urbana. Sua base de cálculo é
o valor venal do imóvel, fixado na Planta Genérica de Valores, que
determina o preço do metro quadrado.
De acordo com a jurisprudência do STJ, o aumento da base de cálculo
depende da elaboração de lei. O entendimento está consolidado na Súmula
160: “É defeso [proibido] ao município atualizar o IPTU, mediante
decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção
monetária.” Essa também é a posição do Supremo Tribunal Federal.
Seguindo essa tese, a Segunda Turma negou recurso do município de Bom
Sucesso (MG), que aumentou a base de cálculo do IPTU por meio de
decreto. De acordo com o relator, ministro Humberto Martins, mesmo que o
Código Tributário Municipal traga critérios de correção dos valores
venais dos imóveis, o município não está autorizado a majorar os valores
sem a participação do Pode Legislativo local (AResp 66.849).
Quem paga
O artigo 34 do Código Tributário Nacional (CTN) define como
contribuinte do IPTU o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio
útil ou o seu possuidor a qualquer título. A controvérsia surgiu diante
de existência de negócio jurídico que visa à transmissão da propriedade,
como os contratos de compromisso de compra e venda.
A jurisprudência do STJ estabeleceu que tanto o promitente comprador
do imóvel quanto o promitente vendedor (que tem a propriedade registrada
no Registro de Imóveis) são contribuintes responsáveis pelo pagamento
do IPTU. Ambos podem figurar conjuntamente no polo passivo em ações de
cobrança do imposto. Cabe ao legislador municipal eleger o sujeito
passivo do tributo, contemplando qualquer das situações previstas no
CTN.
Sob o rito dos recursos repetitivos, a Segunda Turma decidiu que,
havendo mais de um contribuinte responsável pelo pagamento do IPTU, o
legislador tributário municipal pode optar prioritariamente por um
deles. Caso a lei aponte ambos ou nenhum, a escolha será da autoridade
tributária (REsp 1.110.551).
Complementação de cobrança
O artigo 149 do CTN elenca as hipóteses em que a autoridade
administrativa pode fazer a revisão, de ofício, do lançamento
tributário. Entre elas está o caso de apreciação de fato não conhecido
ou não provado por ocasião do lançamento anterior. É o chamado erro de
fato, que não depende de interpretação normativa para sua verificação.
Por outro lado, quando se verifica erro de direito, por equívoco na
valoração jurídica dos fatos, não é possível a revisão. O mesmo acontece
quando há modificação dos critérios de cálculo por decisão
administrativa ou judicial. Eles só passam a valer para novos
lançamentos, após a alteração.
O erro de fato ocorre, por exemplo, quando o IPTU é lançado com base
em metragem de imóvel inferior à real. Quando o município constata, por
meio de recadastramento do imóvel, que a área era maior do que tinha
conhecimento, a complementação do imposto pode ser cobrada, respeitando o
prazo decadencial de cinco anos.
Em julgamento de recurso repetitivo, a Primeira Turma decidiu que, se
o lançamento original reportou-se à área menor do imóvel, por
desconhecimento de sua real metragem, o imposto pode ser complementado,
pois a retificação dos dados cadastrais não significa recadastramento de
imóvel.
O recurso era do município do Rio de Janeiro, que em 2003 cobrou de
proprietários de imóveis residenciais a diferença de IPTU relativa ao
exercício de 1998. No recadastramento dos imóveis, constatou-se que a
área sujeita à tributação era muito superior à que vinha sendo tributada
(REsp 1.130.545).
Em outro caso, o município de Belo Horizonte fez a revisão do
lançamento de IPTU referente a imóvel cujo padrão de acabamento
considerado era diferente da realidade. A Segunda Turma entendeu que o
lançamento complementar decorreu de um verdadeiro erro de fato,
possibilitando a revisão da cobrança (AREsp 30.272).
Prescrição
Também em julgamento de recurso repetitivo, o STJ consolidou o
entendimento de que o prazo prescricional para ajuizamento de ação
declaratória de nulidade de lançamentos tributários (para anulação total
ou parcial do crédito) é quinquenal. A contagem começa na data de
notificação do contribuinte.
Para a ação de repetição de indébito, que visa à restituição de um
crédito tributário pago indevidamente ou a mais do que o devido, o prazo
também é de cinco anos, a contar da data de extinção parcial ou total
do crédito, momento em que surge o direito de ação contra a Fazenda. E
isso ocorre no instante do efetivo pagamento (REsp 947.206).
Taxas ilegais
Muitos processos chegaram ao STJ questionando a validade do
lançamento de IPTU que continha também cobranças de taxa de limpeza
pública e conservação de vias e logradouros e taxa de combate a
sinistros. Essas taxas foram consideradas ilegais.
Em um dos casos, uma fundação hospitalar alegou que a impugnação das
taxas tornava o lançamento do IPTU nulo, pois o ato ou procedimento
administrativo seria único. Para o STJ, o reconhecimento de
inexigibilidade das taxas não implica a realização de novo lançamento do
imposto. “Até porque, o fato de as taxas serem ilegais não torna nulo o
IPTU”, afirmou no voto o ministro Mauro Campbell Marques, relator do
recurso.
De acordo com a jurisprudência do STJ, a retirada das taxas ilegais
pode ser feita pelo próprio contribuinte com um simples cálculo
aritmético, ou seja, basta subtrair da cobrança os valores indevidos
(REsp 1.202.136).
Penhora do imóvel
O único imóvel residencial da família pode ser penhorado para
pagamento de IPTU. A autorização está no artigo 3º da Lei 8.009/90, que
dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família. O dispositivo afasta
a impenhorabilidade em caso de cobrança de imposto predial ou
territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar.
Essa regra é que permite a penhora do imóvel de família em ação de
execução para cobrança de taxas de condomínio, conforme decisão do
Supremo Tribunal Federal. A tese foi aplicada no julgamento de um
recurso especial interposto pelo proprietário de imóvel penhorado. A
Primeira Turma manteve a penhora (REsp 1.100.087).
Concessão de bem público
Não incide IPTU sobre imóveis objeto de contrato de concessão de
direito real de uso em razão da ausência do fato gerador do tributo. Foi
o que decidiu a Segunda Turma, no julgamento de um recurso da Sociedade
Civil Vale das Araucárias. Os ministros entenderam que a incidência do
tributo deve ser afastada nos casos em que a posse é exercida
precariamente, bem como nas demais situações que não estejam diretamente
relacionadas com a aquisição do bem.
O debate girou em torno da possibilidade ou não de incidência no
imposto sobre bens públicos (ruas e áreas verdes) cedidos com base em
concessão de direito real de uso a condomínio fechado. A Turma entendeu
que não é possível.
O relator, ministro Castro Meira, citou a definição de contribuinte
prevista no artigo 34 do CTN e o artigo 156 da Constituição Federal,
segundo o qual cabe ao município instituir o imposto sobre propriedade
predial e territorial urbana. “Nesse contexto, o STJ tem entendido que a
posse apta a gerar a obrigação tributária é aquela qualificada pelo
animus domini, ou seja, a que efetivamente esteja em vias de ser
transformada em propriedade, seja por promessa de compra e venda ou por
usucapião”, afirmou o ministro.
No caso julgado, os ministros consideraram que o contrato de
concessão de direito real de uso não proporciona ao condomínio a
aquisição da propriedade concedida. Nessa situação, a posse não
viabiliza ao concessionário tornar-se proprietário do bem público.
Quanto à inserção de cláusula contratual prevendo a responsabilidade
do concessionário por todos os encargos civis, administrativos e
tributários que possam incidir sobre o imóvel, a Turma decidiu que não
há repercussão sobre a esfera tributária, pois um contrato não pode
alterar as hipóteses de incidência previstas em lei (REsp 1.091.198).
Processos: AREsp 66849; REsp 1110551; REsp 1130545; AREsp 30272; REsp 947206; REsp 1202136; REsp 1100087; REsp 1.091.198
Nenhum comentário:
Postar um comentário