1. INTRODUÇÃO
Questiona-se sobre a possibilidade de uma CPI poder decretar a prisão preventiva de um investigado.
Para chegar a um posicionamento, serão analisados os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais. A iniciar pela natureza da prisão preventiva, passando pela competência da CPI e por fim na possibilidade ou não desta decretar a prisão preventiva de um investigado.
2. ANÁLISE
Primeiramente, cabe analisar a natureza da prisão preventiva, que é de natureza cautelar. Ou seja, é uma medida excepcional que é decretada no curso do processo, visando assegurar a efetividade da prestação jurisdicional.
A prisão é de natureza excepcional, pois no Brasil vigora o princípio da presunção de inocência por força do inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal de 1988, que dispõe “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
Motivo pelo o qual a doutrina e a jurisprudência são pacíficas quanto ao caráter cautelar da prisão preventiva. Neste sentido:
HC - PROCESSUAL PENAL - PRISÃO PREVENTIVA - A prisão preventiva, por sua natureza cautelar, visa a atender a ordem pública, a instrução criminal e garantir o cumprimento de eventual condenação. O paciente pode com a fuga, evidenciar indícios de furtar-se ao cumprimento da pena.[1]
Vencidas as considerações introdutórias quanto a natureza da prisão preventiva, cabe analisar a possibilidade das Comissões Parlamentares de Inquérito decretarem a prisão preventiva de um investigado.
Tal questionamento se dá por força do disposto no artigo 58, §3º, da Constituição Federal, que dispõe da seguinte maneira:
Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.
(...)
§ 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.
A expressão “terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” não representa um poder ilimitado à CPI. Tais poderes se dão pelo fato da necessidade da CPI poder dar o bom andamento as investigações. Só que qualquer autoridade está sujeita ao disposto constitucional, e por isso os poderes são limitados.
Neste sentido, bem observou o Ministro Paulo Brossard, no HC 71.039 julgado pelo STF, onde aqui se transcreve parte da ementa:
São amplos os poderes da comissão parlamentar de inquérito, pois são os necessários e úteis para o cabal desempenho de suas atribuições. Contudo, não são ilimitados. Toda autoridade, seja ela qual for, está sujeita à Constituição. O Poder Legislativo também e com ele as suas comissões. A comissão parlamentar de inquérito encontra na jurisdição constitucional do Congresso seus limites. Por uma necessidade funcional, a comissão parlamentar de inquérito não tem poderes universais, mas limitados a fatos determinados, o que não quer dizer não possa haver tantas comissões quantas as necessárias para realizar as investigações recomendáveis, e que outros fatos, inicialmente imprevistos, não possam ser aditados aos objetivos da comissão de inquérito, já em ação. O poder de investigar não é um fim em si mesmo, mas um poder instrumental ou ancilar relacionado com as atribuições do Poder Legislativo.[2] (Grifei)
Assim, restando inequívoco que os poderes das CPI’s são limitados. Cabe analisar diretamente a possibilidade de decretar a prisão preventiva.
Primeiro cumpre analisar o disposto constitucional no artigo 5º, inciso LXI, que assim determina:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
Pois bem, o artigo é explícito ao dispor “autoridade judiciária competente”. Assim, embora as CPI’s possuam poderes de investigação próprios das autoridades judiciárias, não são a autoridade judiciária.
A este respeito comenta o doutrinador Pedro Lenza, sobre as impossibilidades dos poderes da CPI adentrarem na:
Ordem de prisão, salvo no caso de flagrante delito, como, por exemplo, por crime de falto testemunho (STF, HC 75.287-0, DJ, 30.04.1997, p. 16302): isso porque a regra geral sobre a prisão preventiva do artigo 5.º, LXI, determina que ninguém será preso senão por flagrante delito, ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária (e não CPI) competente (...)[3] (Grifei)
Neste mesmo sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal:
Mandado de segurança. Ato do Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal e do Presidente do Banco Central do Brasil. 2. Desbloqueio de proventos do impetrante depositados em sua conta corrente no Banco do Brasil S.A 3. Liminar deferida para suspender, até o final julgamento do mandado de segurança, a indisponibilidade dos valores relativos aos proventos de aposentadoria. 4. Relevantes os fundamentos do pedido e periculum in mora. Caráter alimentar dos proventos de aposentadoria. 5. Parecer da Procuradoria-Geral da República pelo deferimento do writ. 6. Afastada preliminar de incompetência do S.T.F. 7. Entendimento do STF segundo o qual as CPI'S não podem decretar bloqueios de bens, prisões preventivas e buscas e apreensões de documentos de pessoas físicas ou jurídicas, sem ordem judicial. Precedentes. 8. Mandado de segurança deferido, de acordo com a jurisprudência do STF, para anular o ato da CPI, que decretou a indisponibilidade dos bens do impetrante, explicitando-se, porém, que os bens do requerente continuarão sujeitos à indisponibilidade antes decretada pelo Juiz Federal da 12ª Vara da Seção Judiciária de São Paulo, em ação civil pública, sobre a matéria.[4] (Grifei)
3. CONCLUSÃO
Assim, com base no exposto, conclui-se que uma CPI não possui poder de decretar a prisão preventiva de um investigado, em razão da natureza cautelar e excepcional da medida, salvo em flagrante delito. Pois tal medida é privativa do poder judiciário.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 12. Ed. rev., atual. e ampl. São Paulo. Saraiva. 2008.
[1] HC 8712/MG, Rel. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, SEXTA TURMA, julgado em 25/03/1999, DJ 26/04/1999, p. 128
[2] HC 71039, Relator(a): Min. PAULO BROSSARD, Tribunal Pleno, julgado em 07/04/1994, DJ 06-12-1996 PP-48708 EMENT VOL-01853-02 PP-00278
[3] LENZA, 2008, p. 316
[4] MS 23455, Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA, Tribunal Pleno, julgado em 24/11/1999, DJ 07-12-2000 PP-00007 EMENT VOL-02015-02 PP-00305
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